23 de maio de 2015

Difuso



Em baixo, um morro se estendia para uma descida. O carro ia, quase que sozinho. Por trás do volante, alguém que se encontrava no automático. Sinais que eram ora verde, ora vermelho e, em um lampejo, laranja. Pessoas que andam. Lembrei-me das minhas melhores noites. Todas elas quando eu estava longe. Será que é para todo mundo assim? Memórias só são incríveis quando distantes? Agora estou perto. O problema é que a gente sempre está perto de alguma coisa. Então a questão não deve ser o espaço, mas a pessoa. Ou talvez o tempo.
“Você nunca parece estar aqui.”
Um vinho e duas pessoas que se encontravam de frente para a outra. Décimo encontro. Tive uma vontade súbita de sumir. Os diálogos já não eram tão rasos. Eu já não falava sobre o meu filme ou livro favoritos. Aprofundava-me na saudade. E, querendo ou não, em angústias. Falava, também, de sonhos. Sonhos sempre se relacionam com o futuro. Qual será o destino que eu realmente desejo para mim?
Segurei a mão dele. Olhos que me viam. Eu não gostava desses. Preferia apenas os que me olhavam.
“Bem, deve ser impressão. Eu estou.”
Desviei a minha atenção para o relógio. O tempo passa, sinalizado por ponteiros que circulam. O que a minha ansiedade poderia significar? Foi então que pensei. Podia ser a necessidade da fuga. Não se tratava de longitudes, mas da vontade de não estar. Não há comprometimento quando você pertence a lugar nenhum.
“Eu estava olhando um trabalho na Suiça. Está tendo uma oportunidade interessante lá.”
Ele riu. Seco. Colocou as mãos nas têmporas, enquanto fechava os olhos. Parecia que eu tinha lhe dado uma facada no peito.
“Suiça, hã? Pelo visto não há nada que te prenda aqui.”
Voltei para diálogos anteriores, quando dissera exatamente isso para alguém: “Não quero que ninguém me prenda”. Porque aí eu não teria motivo para ficar e conseguiria transitar. A questão é que eu já não tinha tanta certeza. Eu não sabia bem onde queria estar.
“Por que você não consegue ser feliz?”
Mas a felicidade era tão subjetiva quanto a liberdade. Ninguém sabia bem do que se tratava. Vivíamos em busca dela. Mas quando poderíamos, de fato, dizer a encontrar? Não respondi, apenas perguntei:
“O vinho está bom?”
Ele disse que sim e, cansado, suspirou.


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