9 de abril de 2012

O asfalto da fábrica

Acordei já cansado. O suor escorria, e meu corpo fedia. O ventilador não funcionava, como tudo naquela espelunca. Quando liguei o chuveiro, estava evidente que não tinha energia. Pelo menos fazia calor. Tentei pensar nisso, mas quando a água bateu, soltei um palavrão que poderia ser ouvido de fora. A vizinha gritou "Olha a boca!". Ignorei. Ô velha pra ser mais rabugenta do que eu. Vai ver era por isso que vivia sozinha. Eu até tinha a sorte de conseguir uma arregaçada vez ou outra, quando voltava bêbado do bar.

Cinco minutos foi tudo o que aguentei. Nunca tive muita paciência pra isso de higiene. Perda de tempo. Aí coloquei minha calça bege, a camisa branca e uma gravata preta. Até parecia gente. Não me animei muito. Meus olhos estavam fundos, e tudo o que pus para dentro foi um café já frio. Pior do que isso, só comida de almoço mesmo. Aquela papa que chamam de sopa

Peguei o coletivo e me excluí dos que falavam. Uma mulher bem boa estava do meu lado, então olhei pra ela. Pernas bem gordas mesmo, do jeito que eu gostava. A banha fazia com que parecesse uma porca. Ela se ofendeu e xingou, tentando me espantar. Nem liguei. Essa era a vantagem do transporte público mesmo. Aquela nojeira toda tinha que ter algo para me distrair.

O trabalho era dirigido aos pobres. Homens miseráveis, que faziam a mesma coisa o tempo todo. Eu era o cara dos parafusos. Uma vergonha. Ali dentro, o inferno ficava ainda mais quente. Vapor saía pelos canos, e matava todos de pouco em pouco. A escória do mundo. Os infelizes por natureza. Meus olhos apertavam-se, enquanto eu perdia o controle de minha mão. A vista ficava turva. Um aqui, outro ali, apertando assim, desse jeito. O barulho ensurdecia. Os sentidos se desligavam. Primeiro a mão perdia o controle, enquanto o cérebro tentava recuperá-lo. Depois os olhos se fechavam, em busca de escuridão. Aí começava todo o resto. O nariz se entupia com a fumaça, e eu não sabia se o cheiro era sempre assim ou se era problema nosso. Ouvidos ocupavam-se com o r-r-r-r-r-r das engrenagens que de repente cessava e voltava.

O intervalo significava um bando de homens sentados na esteira, comendo suas marmitas frias. A papa descia goela abaixo. Comida pior do que de mendigo. O lixo deveria oferecer mais opção. Eu tinha que segurar o vômito, porque sabia que se colocasse para fora, acabaria morrendo de fome. A comida da cor de merda. Vai ver até fosse. Estudos diziam que matéria orgânica era alimento. E bosta é adubo. Talvez nos confundissem com plantas.

O r-r-r-r-r-r criava pouco a pouco alucinações em meu ouvido. O meu reflexo na prataria do carro revelava um escravo. A raça estava na graxa, que cobria meu rosto e mãos. Minhas roupas agora pareciam trapos. Teriam que ser lavadas umas três vezes.

O dia chegou ao fim. Peguei o coletivo, e não havia nenhuma mulher gostosa. Todas estavam sujas. Carros espalhavam-se. Ricos ocupavam seus assentos. Eu olhava e esperava. Talvez um dia... O senhor Henry vivia dizendo para pouparmos e comprar um. Lá no futuro mesmo... A buzina acordou-me do sonho, e saí, voltando para o cortiço. Um fedor característico. Eu ainda não havia me decidido se preferia cheiro de fumaça ou de bosta. Acho que era melhor o de fumaça, porque eu só comia merda. Era melhor ter variedade.

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